CoIDH/SAADE junto a outros setores e laboratórios da instituição cooperam para a acessibilização do regulamento da seleção para o ingresso da UFSCar
A Coordenadoria de Inclusão e Direitos Humanos (CoIDH) da Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade da UFSCar (SAADE/UFSCar), dentre suas atribuições, atuou ao longo do ano de 2022 em cooperação com a Coordenadoria de Ingresso à Graduação (CIG), com o Grupo de Pesquisa Identidades, Deficiências, Educação e Acessibilidade (GP-IDEA/CNPq), com a Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (ProACE), com o Serviço de Tradução e Interpretação de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa (SeTILS) e com a Secretaria Geral de Educação a Distância (SEaD) para a concretização de um objetivo:
“Aprimorar o regulamento da seleção para o ingresso nos cursos de graduação presenciais da UFSCar (edital de ingresso), especificamente no que tange os aspectos relacionados à acessibilidade programática, informacional e comunicacional, bem como atualizar termos e orientações relacionadas às questões e aspectos socioeconômicos, biopsicossociais da deficiência, étnico-raciais e de gênero”.
Como resultado desse esforço coletivo, envolvendo pessoas pretas, pardas e indígenas, sendo elas pessoas com ou sem deficiências,podemos elencar alguns resultados obtidos desta iniciativa seguidos de algumas justificativas para cada ação:
1) Disposição do texto
- Maior espaçamento entre as linhas do texto do regulamento e, também, entre seus itens principais: como padrão, foi adotado o espaçamento de 1,25 centímetros entre as linhas e, entre os tópicos, o espaçamento duplo (2,5 centímetros). Pode até parecer algo irrelevante, mas essa característica textual contribui com a facilitação da leitura das pessoas que têm, por exemplo, baixa visão, Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) e dislexia.
- Disposição dos itens do regulamento em níveis diferenciados e hierarquizados por assunto: os itens foram organizados de forma hierárquica, considerando a ordem de importância e subordinação de seus conteúdos, facilitando sua leitura e compreensão. Esse aspecto estava garantido visualmente/textualmente nos editais precedentes. Porém, devido ao sistema de geração de documentos da UFSCar, a configuração da Linguagem de Marcação de HiperTexto (HTML) apresentava impeditivos importantes de navegabilidade às pessoas que utilizam softwares de leitores de tela, os quais foram aprimorados.
- Revisão da subdivisão dos conteúdos: no processo de hierarquização dos itens do regulamento, seu conteúdo foi reorganizado e disposto em uma lógica que pudesse favorecer a compreensão das pessoas candidatas em relação aos seus direitos e deveres ao longo do processo seletivo. Além disso, o intuito da atual disposição foi a de aprimorar as orientações para que as pessoas interessadas realizem, sem grandes dificuldades, os procedimentos específicos previstos no edital.
- Quadro explicativo sobre o sistema de reserva de vagas: o regulamento prevê a reserva de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das vagas de cada curso e turno para pessoas candidatas egressas do ensino público brasileiro que, no ato de sua inscrição ao processo seletivo do SiSU, optarem pelo ingresso por reserva de vagas (observada a distribuição de vagas na forma definida pela Lei nº 12.711/2012, alterada pela Lei nº 13.409, 28/12/2016). Nesse sistema, cada grupo referente a pessoas pretas, pardas, indígenas e/ou com deficiências, com renda menor, igual ou maior a 1,5 salário mínimo tem um código no edital (1, 2, 3, 4, 1-D, 2-D, 3-D, 4-D), a depender dos critérios. - Nos regulamentos precedentes, porém, foi percebido que a disposição da correlação entre os grupos e seus códigos gerava algumas dificuldades de compreensão em relação a qual grupo as pessoas interessadas poderiam se inscrever. Para facilitar o entendimento desse direito, foi elaborado um quadro com a sistematização da caracterização e dos critérios referentes a cada grupo.
2) Nomenclaturas
- Conversando com o “juridiquês”: estudos científicos têm indicado que a linguagem jurídica adotada nos regulamentos para o ingresso apresenta características que podem dificultar a compreensão do público em geral e, particularmente, a legitimação de direitos por parte de:
- jovens estudantes que finalizaram sua trajetória escolar sem muito repertório jurídico;
- pessoas surdas que adotam a Língua Brasileira de Sinais como língua principal, além de indígenas, refugiados de outros países e pessoas com outras condições linguístico-culturais que não têm a Língua Portuguesa como primeira língua;
- demais pessoas interessadas.
- Exemplo: as expressões “solicitar recurso” ou “entrar com recurso” poderiam ser compreendidas como algo relacionado a recursos financeiros, recursos humanos, recursos tecnológicos, recursos materiais, dentre outros. Assim, nos editais precedentes essas expressões geravam dúvidas às pessoas surdas que liam o regulamento. Nesse cenário, após dialogar com pessoas surdas, o termo recurso foi substituído por “Pedido de Revisão de Resultado”. Nesse sentido, podemos dizer que a lógica de revisão de todos os termos do regulamento para o ingresso na UFSCar buscou garantir uma significância prática (funcionalidade dos termos).
- Diversidade de Representação de Gênero: Frequentemente os textos formais têm utilizado o gênero binário em seus termos (exemplo: os candidatos e as candidatas), baseando-se exclusivamente no sexo biológico. Isso quando não adotados termos unicamente masculinos (exemplo: os candidatos - para generalizar todas as pessoas). Ainda, tem se tornado comum o fato de um mesmo termo ser grafado nas seguintes maneiras: candidato(a) ou candidato/a (geralmente com o sexo masculino sendo o primeiro e o feminino sendo o segundo); candidate, candidatx, candidat@; candidato/a/e/x/@.
->Mas... você já pensou como uma pessoa com deficiência visual usuária de software leitor de tela acessaria as informações ouvindo, ao longo de todo o documento,“candidato barra a barra e barra x barra arroba”? Sim... é assim que essas pessoas acessam termos como candidato/a/e/x/@.
->Inclusive, apenas nessa informação anterior, elas precisaram ouvir duas vezes a mesma coisa: “candidato barra a barra e barra x barra arroba” e candidato/a/e/x/@ (e, agora, quatro vezes, nesta notícia).
b.1) Assim, como estratégia de abarcar as recentes discussões de diversidade de representação de gênero e, ao mesmo tempo, promover a acessibilidade comunicacional e informacional, o novo regulamento adotou o termo “pessoas candidatas”. - Pessoas com deficiência: Você fala “deficiente”, “portador de deficiência” ou “PcD” para fazer referência a “pessoa com deficiência”? Parece um aspecto irrelevante, mas há muitos anos, desde a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) não é recomendável a utilização desses termos. Isso porque, ao desconsiderarem o termo PESSOA das narrativas, contribuem com o resgate da histórica sub-humanização que essa população sofreu por séculos. No mesmo sentido, temos defendido a não utilização da sigla PcD que, por mais que essa facilite os discursos e “economize” os espaços de escrita, corremos o risco de desvalorizamos a condição precedente: a de serem PESSOAS de direito.
c.1) Importante: A mesma abordagem foi adotada em relação às PESSOAS pretas, às PESSOAS pardas, às PESSOAS indígenas (e não índios!), às PESSOAS cisgênero (pessoas que se identificam com o seu sexo biológico: masculino ou feminino) e PESSOAS transgênero (pessoas que não se identificam com o sexo biológico de origem).
3) Documentação e procedimentos de verificação
- Para pessoas com deficiências: A verificação da condição de deficiência esteve predominantemente pautada nas informações apresentadas em laudos clínicos disponibilizados pelas pessoas candidatas. Essa prática, porém, além de reduzir a perspectiva de análise, reforçava a abordagem estritamente clínica da condição de deficiência e contribuía com a relação equivocada entre deficiência e doença. No novo regulamento, de modo complementar a esses documentos clínicos, a Comissão Institucional de Verificação de Aspectos Biopsicossociais da Pessoa com Deficiência (CVDD) considerará, por meio de entrevistas, os aspectos biopsicossociais em relação aos domínios e atividades da pessoa candidata, tais como: comunicação; mobilidade; cuidados pessoais; vida doméstica; educação, trabalho e vida econômica; relações e interações interpessoais; vida comunitária, social, cultural e política.
- Para pessoas negras (pretas ou pardas): a documentação para a autodeclaração e os procedimentos para a verificação e heteroidentificação da autodeclaração étnico-racial foram aprimorados. Além disso, os critérios para a autodeclaração da pessoa candidata enquanto pessoa preta ou parda ficaram mais explicitadas, indicando que serão pautadas exclusivamente nas características físicas observáveis (aspectos fenotípicos) e não por ascendência genética e/ou por condições sócio-histórico-culturais.
- Para pessoas indígenas: Nos editais precedentes, tanto as orientações quanto os documentos referentes às pessoas indígenas estavam associados às pessoas pretas e pardas. Essa “mistura” ocorre desde a Lei Nº 12.711/2012, gerando equívocos de interpretação. No atual regulamento, a documentação e as orientações relacionadas a esse grupo foram separadas daquelas direcionadas às pessoas pretas e pardas. Consequentemente, foram indicados aspectos específicos de autodeclaração e, também, da declaração de vínculo e pertencimento a uma comunidade indígena, além do reconhecimento pelo órgão regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas.
4) Difusão do regulamento em formatos acessíveis
- Ao longo dos anos, a UFSCar disponibiliza vídeos com orientações às pessoas candidatas para facilitar a compreensão sobre o que deverá ser feito e, também, para difundir informações, tais como calendários e normativas. Esses vídeos eram feitos com imagens, músicas e janelas de Libras. Ainda assim, foi percebida a importância de se disponibilizar o edital completo em um mesmo vídeo garantindo: a janela de libras, a leitura na íntegra gravada em áudio e a legendas. Essa adequação está sendo realizada atualmente, após o edital ter sido aprovado no CoG de dezembro de 2022.
- Para além do arquivo do regulamento em formato PDF e em vídeo acessível, o documento será disponibilizado em formato DOC, para facilitação do acesso às informações por pessoas usuárias de leitores de tela.
5) Nada sobre nós sem nós
Esse é o lema da acessibilização do regulamento de ingresso: é muito importante que a sociedade e a comunidade da UFSCar (de seus quatro campi) dê a devolutiva sobre o novo formato do edital para que, ao longo de 2023, possamos aprimorá-lo ainda mais. Assim, caso tenham sugestões, favor enviem mensagem para o seguinte endereço eletrônico: saade@ufscar.br, indicando o seguinte assunto: “Sugestões para o Edital de Ingresso da UFSCar”.
Texto elaborado e revisado por
Ms. Sandro Luis Montanheiro Francischini (CoIDH/SAADE)